lavouras-da-destruicao

Lavouras de Destruição: a (im)posição do consenso

A foto da capa deste livro mostra uma lavoura de acácias, fotografada dois anos após a colheita. Como é fácil verificar, mesmo depois deste longo período, não há apodrecimento dos tocos, a terra está visivelmente desgastada, a impossibilidade de uso desta região ainda se alongará no tempo e, qualquer recuperação do solo, exigirá desmedido esforço humano e financeiro, motivo pelo qual, se encontra abandonada. Não só esta visão, não só este lugar comprovam o logro das promessas desenvolvimentistas do plantio de “florestas”.

O local enfocado não é de um país ou município específico, mas, antes, repete-se aqui, acolá, alhures, não respeitando o tracejado de fronteiras, a barreira de oceanos, as carências humanas, ou os princípios civilizatórios mínimos baseados em valores éticos e morais.

Esta foto mostra, com inequívoca clareza, o resultado dos empreendimentos desumanos de grandes conglomerados da exploração do agronegócio, que buscam lucro sem considerar ou se importar com qualquer consequência. As sequelas das atitudes de outros empreendimentos negociais também se sucedem em retratos de destruição: ao negócio de armas, pilhas de corpos extirpados, escombros e ruínas; ao lucro sempre crescente dos bancos, famílias endividadas, empresas falidas, países pagando eternas “dívidas externas”; ao negócio da indústria farmacêutica, o auxílio só para quem pode pagar; ao negócio do tabaco, patologias de câncer, infarto, amputações. Entretanto, todos têm pontos em comum; a exploração que desconsidera o homem e sua dignidade, o consumismo com o subsequente aniquilamento da natureza [segue…]

Conta um dos autores que, em outubro de 2005, num seminário na “Facultad de Agronomía del Uruguay”, uma equipe de investigadores de vários países, coordenado pelo argentino Esteban Jobbágy, apresentou o trabalho “Forestación en pastizales: Hacia una visión integral de sus oportunidades y costos ecológicos”, demonstrando uma redução de 50% do rendimento hidrológico de regiões “reflorestadas” na Argentina e Uruguai. Este fato também é um retrato do Brasil.

Como acresce outro colaborador: a concepção neoliberal da economia, na pretensão de se apresentar como a modernidade, traduz uma volta ao século XIX, atentando contra os direitos fundamentais, em suas diversas dimensões.

O aspecto mais grave de sua investida revela-se na potencialização do sacrifício da natureza, passando pelo ataque e tentativa sistemática de desconstrução dos direitos fundamentais sociais e econômicos, sem cuja efetiva existência o exercício dos direitos e liberdades liberais tornase problemático ou circunscrito a uma parcela mínima da população.

A América Latina, como um todo, continua sendo explorada e extorquida à exaustão em todas as suas potencialidades e riquezas. Segundo estudo de Saxe Fernández (baseado em informes do FMI e BIRD), em duas décadas a América Latina transferiu aos centros de poder econômico das nações desenvolvidas US$ 2.5 trilhões, na forma de pagamentos da dívida externa, por fugas de capital e pela diferença de preço pelos quais são vendidas as matérias primas.

No Brasil, os gastos com a Dívida têm sido os mais onerosos do Orçamento da União. Em 2008, os juros e amortizações da Dívida Pública Federal alcançaram R$ 282 bilhões, mesmo se excluindo o “refinanciamento”, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos. Anualmente, pagamos US$ 8 bi em juros e permitimos a remessa para o exterior de mais US$ 20 bi de lucros dos bancos internacionais. Ao mesmo tempo, foram destinados somente R$ 44 bilhões para a saúde e R$ 24 bilhões para a educação. Este privilégio dos gastos financeiros tem comprometido significativamente os gastos sociais, além de sacrificar as transferências a estados e municípios. A forma neoliberal de atuar é tortuosa e delituosa, mas, nos últimos tempos, tem prevalecido e aumentado a compra de políticos pelo mundo afora. O financiamento particular de campanhas propicia que empresas dos mais diferentes ramos consigam eleger seus representantes em processos eleitorais cada vez mais teatrais, ilusórios e enganadores. Com isto, alcançam maioria de votos em câmaras legislativas, pois muitos políticos hoje são, de fato, empregados de empresas com mandatos eletivos. Não é por nada que o campesino uruguaio e brasileiro registram que “os políticos os abandonaram”. Mas isto não sucede só aqui, pois embora Barak Obama represente “o oposto” dos Bush (pai e filho), assim como eles o fizeram, já nomeou empresários da Monsanto para cargos no governo.

As empresas têm apresentado desde novos e fantásticos reagentes agrícolas até sementes modificadas geneticamente, afirmando que todos são produzidos por “cientistas”, “especialistas” e com os rigores da “ciência” sendo, assim, seguros e benéficos. Entretanto, bem ao contrário, são venenos ocasionando suicídios, doenças, baixa produtividade, contaminações. Isso é tão verdadeiro, que esses conglomerados proíbem que pesquisadores independentes realizem investigações sobre seus efeitos maléficos. O que se vê, na realidade, é que institutos de pesquisa e universidades têm sido cooptados pela mentalidade dos que controlam as “Comodities” e, cada vez mais, apoiados financeiramente por empresas de diferentes ramos, criam pequenos guetos, onde o paradigma da escala industrial de monocultivos é dominante.

Os admiradores e defensores do agronegócio, idolatrado como gerador de divisas externas, desconsideram os financiamentos bilionários que são feitos pelos governos de todos os países, que privilegiam o seu baixo índice de produtividade, desdenhando as referências positivas de emprego e qualidade da agricultura familiar. Mesmo ante a “quebra do mercado” de 2008, ocasionada pela jogatina das grandes corporações nas bolsas de valores mundiais, as empresas do agronegócio e suas congêneres produtoras de inseticidas e herbicidas, reorganizaram-se financeiramente com valores sacados de cofres públicos e de governos comprometidos, para retomar a exploração predatória do meio ambiente e da cidadania do homem do campo.

Nem mesmo a avassaladora onda publicitária, entretanto, está conseguindo dissimular todas as mazelas contidas nas falsas promessas desenvolvimentistas e cresce o número de cidadãos que se insurgem contra a exploração desenfreada dos nossos recursos naturais. E a própria natureza agredida está sendo a maior escola, “ensinando” com secas, tornados e enchentes jamais vistas, quer em intensidade, quer em quantidade, que devemos repensar nossas prioridades de vida. Paisagens antes inebriantes estão desfiguradas por extensas e monótonas incrustações de monocultivos, em vistas de desolação e destruição das nossas riquezas naturais, assemelhando-se, como no reino animal, a processos cancerígenos de pele. São lavouras de destruição!

Vivemos um momento de crise que, sendo global, abarca a tudo e a todos, impedindo que mecanismos naturais de defesa do homem atuem de acordo com os seus princípios e desígnios; o desequilíbrio da natureza é evidente! Governos organizam suas políticas públicas privilegiando benefícios empresariais e o direito, em muitos processos omisso e comprometido, abandona os ditames legais para tergiversar na concessão de privilégios de cunho “desenvolvimentista”, alheios ao interesse coletivo.

Os resultados de tais agressões generalizadas têm sido alarmantes. Cientes de tal situação, um grupo composto por pessoas de diferente países (Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Uruguai) e de diversas áreas (professores universitários em sua maioria, pesquisadores, administradores), reuniram-se para narrar o que se passa em suas regiões, mostrando que o problema vivido não está circunscrito apenas a determinadas áreas. A ganância globalizada gera os mesmos resultados destruidores em todos os locais, aplicando os mesmos métodos de coação midiática e política – a imposição do consenso!

Por isto, pouco a pouco, mesmo no vagar que caracteriza o aprendizado coletivo, muitos aguardam que as atenções se voltem para o uso adequado da água, ao excesso da produção de lixo, ao exagero consumista, contribuindo, desta forma, para uma colaboração benéfica entre os povos.

As fronteiras não nos fazem diferentes na relação com a natureza e temos muito o que produzir e aprender conjuntamente.

Agradecemos aos sindicatos que financiaram esta obra (Sinasefe, Adunicamp, Sintrajufe), depositando confiança no grupo e permitindo o desenvolvimento deste trabalho.

Por fim, é claro que pessoas vindas de locais tão distantes e, a maioria sem ter sequer conversado, não apresentem a mesma opinião em todos os pontos, motivo pelo qual cada um se responsabiliza pelo seu conteúdo. É interessante observar, todavia, que todas narram os mesmos tipos de enfrentamentos, as mesmas consequências, os mesmos métodos empregados pelas empresas e apontam para as mesmas soluções; a valorização e o cuidado com o nosso planeta nos seus mais diferentes aspectos. Apesar dos capítulos terem sido organizados pela proximidade do ideário, a leitura pode ser feita na sequência desejada.

Nossa proposta é lançar luzes e debater mais profundamente o atual modelo de exploração predatório, mas esta é uma tarefa coletiva e, por isto mesmo, alonga-se no tempo. Não obstante, dada a sua urgência, estamos fazendo a nossa parte, oferecendo este livro como mais um ponto de reflexão, uma forma de união no enfrentamento do neoliberalismo enganador, o que é uma tarefa imperiosa do nosso tempo.

Não visamos lucro, não objetivamos regalias, não temos contratos, repassando esta obra sem custo a todos os que desejarem.

Nossa saudação fraterna e boa leitura!

Althen Teixeira Filho

Download

Compartilhe:

Contribua com o InGá e o Movimento Ambientalista

Faça uma doação

ENDEREÇO

Rua Cel. Fernando Machado, 464. Centro Histórico - Porto Alegre/RS – Brasil
Caixa Postal 1057, CEP 90.001-970
(51) 3019-8402

inga@inga.org.br