Audiência sobre o projeto da Hidrelétrica Pai Querê: este EIA-RIMA não rima com a verdade

  • Postado em 26/03/2012   por: Admin   Categoria:

Audiência sobre o projeto da Hidrelétrica Pai Querê: este EIA-RIMA não rima com a verdade
InGá, 25-03-2012

A audiência sobre o processo de licenciamento da Hidrelétrica Pai Querê, empreendimento previsto para a divisa entre RS e SC (Bom Jesus, Lages e São Joaquim), foi realizada pelo Ibama no Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge-RS), no dia 23 de março, tendo duração de 8 horas, o que dificultou qualquer relato mais completo do conjunto enorme de falas e respostas, por parte do empreendedor e também do Ibama.
Ficou evidente que o espaço foi inapropriado para tanta gente. Foram mais de 350 pessoas, com destaque para ambientalistas, estudantes, técnicos, professores universitários e pesquisadores, para um espaço que só cabiam 200 pessoas. Também ficou claro que o Estudo e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Eima-Rima) do empreendimento fizeram parte de uma enorme peça de ficção, o que não é raro no Brasil.
As empresas do Consórcio CEPAQ (Alcoa, Votorantim e DME Energia), responsáveis pelo projeto, alegam que já detêm concessão da ANEEL, desde 2002, apesar da não existência, até o momento, da emissão de qualquer licença para o empreendimento. O projeto faz parte do PAC 1 (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado por Lula, em 2007, e que recebeu sinais de “alerta amarelo”, nos Relatórios do PAC,  pela demora na concessão de licenças. O custo das obras é orçado em R$ 1 bilhão.
O Consórcio CEPAQ  chegou a justificar a construção da obra utilizando argumentos como: “garantirá energia para ver a novela das oito” (ver www.riouruguaivivo,wordpress.com) . A construção dessa hidrelétrica, com capacidade máxima para produzir 292 MW (equivalente à capacidade do Parque Eólico de Osório, RS), poderia alagar quatro mil hectares de florestas com araucária e mais de mil hectares de campos nativos, sendo pelo menos metade da área formada por florestas em estágio avançado ou primárias e campos bem ricos e preservados, devido ao relevo íngreme inapropriado para a agricultura. No que toca aos aspectos sociais, 334 proprietários rurais seriam afetados, com pelo menos uma centena de famílias diretamente atingidas.

O início dos trabalhos foi as 19 h de sexta, e aproximadamente uma hora e meia após o início da apresentação do Ibama e do empreendedor e seus consultores, ocorreu uma pausa e, aí sim, antes das 21 h iniciaram-se muitas dezenas de perguntas escritas e orais, com respostas e falas que se estenderam até as 3 h da manhã de sábado.

Os questionamentos e críticas foram múltiplos, enquanto as respostas, em geral, foram pobres, constrangedoras, ou mesmo falsas. Entre estas, está a metodologia seguramente inadequada quanto ao levantamento de florestas primárias ou seus estágios avançados (que foram sonegadas ou diminuídas propositalmente); os campos nativos (que não foram diferenciados de outros degradados), a fauna de aves (que foram amostradas em poucas estações e estiveram ausentes espécies importantes conhecidas e faltaram aves migratórias). Os empreendedores tentaram garantir, após questionamentos, de que “não haveria extinção de espécies”, sem justificar. Alem do mais, afiançaram que iriam “proteger APPs” (situação inverídica, pois a área prevista para ser alagada é o principal núcleo das APPs, com florestas e campos dos mais contínuos, sobrando muito pouca coisa). Um técnico da Embrapa criticou também a inviabilidade de um suposto banco de germoplasma que seria constituído na área, em caso de construído o empreendimento, pois cada espécie, segundo ele, depende de 10 ou 20 anos para ser estudada e encaminhada para estes bancos. É bom lembrar que na área prevista ocorreriam pelo menos mais de 1000 espécies de plantas nativas, conforme botânicos que conhecem a região, e o próprio estudo reconhece a existência de pelo menos 700 espécies de plantas, sendo a grande maioria não encontrada em viveiro nenhum da região ou do Brasil. Em geral, as respostas dos consultores ambientais da empresa (Boursheid Engenharia) quando não eram evasivas, eram profundamente incrivelmente inacreditáveis.
Um tos itens que não consta neste e na maioria dos EIA-RIMA é o verdadeiro valor ou custo ambiental da perda da biodiversidade da área do empreendimento. Mais da metade das espécies de plantas possui propriedades medicinais ou é considerada ornamental, frutífera, madeireira, tintorial, etc. No trabalho não é analisado também a perda do recurso pinhão (muitas milhares de toneladas, que correspondem a 180 mil araucárias mortas) nem a altíssima probabilidade de extinção de espécies da fauna de peixes, reófitas (plantas de lajeados e corredeiras), que correspondem a organismos que já não existem mais a jusante do ponto anunciado, devido aos outros quatro barramentos no mesmo rio Pelotas-Uruguai (Barra Grande, Machadinho, Itá e Foz do Chapecó).

Na audiência, além das manifestações orais, a maior parte contrárias ao empreendimento, foram protocolados documentos ao Ibama.

O InGá também entregou, na oportunidade, uma manifestação, com 25 considerações, pedindo  respostas individuais a cada item, com destaque a que o Ibama: ‘reconheça a necessidade de cumprimento das obrigações judiciais do TC decorrentes as irregularidades do processo de Licenciamento Ambiental de Barra Grande; respeite e garanta a proteção as Áreas Prioritárias para a Conservação bem como a Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; realize Avaliações Ambientais Estratégicas, nas bacias dos rios brasileiros, anteriormente ao planejamento de empreendimentos hidrelétricos, por parte do MMA (não pelo MME) e revise todos os grandes projetos empreendimentos que não se coadunem com este processo; e negue a Licença Prévia para o AHE Pai Querê à luz do conhecimento científico existente e da legislação ambiental brasileira, prevendo-se a conservação de segmentos ou sub-bacias livres de quaisquer barramentos, para garantir a proteção  da biodiversidade, a produção pesqueira e os direitos humanos das populações ribeirinhas e demais afetados”.

O Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (que reúne órgãos governamentais e não governamentais do Estado) também se pronunciou contrário à obra, pois incide justamente na Zona Núcleo da RBMA. Seguiram-se discursos de técnicos da Fundação Zoobotânica, da mesma forma, destacando a enorme importância da área e a consequente inviabilidade do empreendimento.
Uma das questões centrais é o questionável aceite por parte do Ibama de um material de má qualidade (EIA-RIMA) e que se configura em propaganda enganosa pró-empreendimento. Ademais, a questão de Pai Querê não pode ser vista de forma isolada, sem levar em conta tanto o processo fraudulento que ocorreu no licenciamento de Barra Grande. A área de compensação que fazia parte do Termo de Compromisso de Barra Grande, assinado pelas empresas governo e Ministério Público, previa justamente ali no rio Pelotas – onde o governo quer hoje Pai Querê – a área de compensação daquela afogada pelo empreendimento. Por isso, o Corredor Ecológico do rio Pelotas (obrigação do TC) foi congelado pelo governo federal, a mando da então  Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, hoje Presidenta, que se opunha (e ainda se opõe) a qualquer impedimento a obras do PAC.

O Ibama vai analisar os documentos e as gravações. Serão aceitos pelo órgão ambiental federal documentos complementares e pareceres técnicos num prazo de 15 dias úteis, a contar do dia da audiência, e as respostas deverão ser dadas aqueles que fizerem questionamentos ao empreendimentos.  O Instituto teria até junho para se manifestar.

A questão é saber se isso pode ocorrer antes da Rio + 20. Entretanto, muito dificilmente encontraria argumentos consistentes que pudessem comprovar a viabilidade de um quinto empreendimento, em série no mesmo rio, justamente em uma região que ainda abriga parte a maior parte dos endemismos de flora e fauna do sul do Brasil e os remanescentes mais contínuos das florestas com araucária, reduzida no Brasil a 2% de sua cobertura original.

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