CRIME AMBIENTAL EM ARAMBARÉ!!!!!

Crime ambiental nas restingas da Laguna dos Patos, em Arambaré, RS

 

Entre os dias 9 e 10 de janeiro de 2021, constatou-se grave crime ambiental de corte de vegetação e queimadas em áreas de restinga na parte norte do município de Arambaré, RS, em margens a oeste da Lagoa dos Patos, na localidade tipo do único réptil endêmico do Rio Grande do Sul, Liolaemus arambarensis (lagartixa-das-dunas), que se encontra ameaçado de extinção (na categoria “Em Perigo”, de acordo com o Decreto Estadual no 51.797/2014) e no Brasil (Portaria MMA no 444/2014).

A Lagartixa-das-dunas, única espécies de réptil endêmico do RS (foto de capa), faz parte das espécies alvo do Plano de Ação Nacional para a Conservação de Repteis e Anfíbios Ameaçados da Região Sul do Brasil [1]. A referida área estava com acesso fechado por moirões a veículos na zona da praia, com providências da prefeitura de Arambaré até dezembro de 2020, justamente para proteger a área de ocorrência original da espécie, a partir das informações científicas e intermediação com técnicos do ICMBIO e grupo de pesquisa da UFRGS, ligados aos planos de conservação das espécies ameaçadas para a constituição de área de conservação, tendo em vista o crescimento de projetos de loteamentos previstos para a zona próxima às praias de Arambaré.

A nova administração do município manifestou-se refratária à criação da Unidade de Conservação, sendo seguida por setores que não reconhecem as alternativas econômicas aos grandes impactos convencionais representados por loteamentos, monossilvicultura, e abertura para atividades que representam maior degradação ambiental, como circulação de automóveis como caminhonetes 4 x 4. Infelizmente, alguns gestores do RS, em especial do Pampa, desconsideram a vocação na pecuária tradicional, os aspectos de potenciais turísticos de paisagens naturais únicas que poderiam gerar, via atividades ecoturísticas rarefeitas e orientadas por órgãos ambientais, gerando renda compatível com a sustentabilidade ecológica de áreas prioritárias para a biodiversidade como esta, além de manter qualidade de vida diferenciada dos grandes centros urbanos ou áreas com forte antropização.

Com base ao acontecido, o InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) encaminhou denúncia relativa às queimadas e cortes de vegetação, em especial de butiás (também ameaçados de extinção) no dia 18 de janeiro de 2021, à Promotoria do Ministério Público Estadual de Camaquã.

A queima da vegetação de restinga nativa associada à abertura da referida área para circulação de veículos por um grupo de “jipeiros” acabou comprometendo não só as espécies ameaçadas de extinção mas destrói vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006), constituída por campos arenosos, moitas arbustivas, capões baixos, butiazais, banhados, entre outros.

As intervenções que resultaram na destruição de dunas e restingas formadas predominantemente por gramíneas esparsas, principalmente capim-limão, espécie produtora de óleos essenciais aromáticos, que também representam abrigos fundamentais para a existência da lagartixa-das-dunas, que apresenta camuflagem adaptada às areias das dunas da Laguna dos Patos.

As fotos que  podem ser vistas na fanpage do ingá [2]  revelam graves danos evidentes ao ecossistema de restinga, por meio de interferência que implicou em queima e corte de vegetação rara e em crítico estado de conservação.  Infelizmente o Patrulhamento Ambiental da Bigada Militar (Patram), ou Comando Ambiental da Brigada Militar, contatada por bombeiros, quando dos incêndios na vegetação, não pode estar presente no local desde o dia 10 de janeiro, justificando “falta de efetivo” para fiscalizar o crime cometido.

Os “esportes” representados pela circulação de veículos em restingas implicam em grande impacto à  fauna (atropelamento) e flora (destruição).

Abertura de acesso para veículos 4×4 em área prevista para conservação da localidade tipo de Liolaemus arambarensis, com impactos sobre vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica.

As zonas costeiras são regiões de transição ecológica que desempenham importantes funções de ligação e trocas genéticas entre os ecossistemas terrícolas e de lagunas, onde existe inclusive espécies marinhas de peixes que desovam em tipos de vegetação como juncais e sarandizais da margem da Laguna dos Patos. Muitos alevinos e organismos jovens ou imaturos destas costas vivem com influência dos ecossistemas de restingas e dunas, como insetos e outros invertebrados. Constituem-se em ambientes complexos, diversificados e de papel fundamental para a sustentação da vida da Laguna dos Patos. A elevada quantidade de nutrientes e outras condições ambientais favoráveis, como os gradientes térmicos permitem excepcionais condições de abrigo e suporte à reprodução e à alimentação inicial da maioria das espécies que habitam as lagunas e inclusive migram desde o mar. As cadeias de relações são múltiplas, desde a produção de alimento para organismos marinhos que vivem nas costas até a presença de aves migratórias que, em ciclos anuais, buscam abrigo, alimentação e descanso para viagens entre continentes do hemisfério sul e do norte.

A zona costeira interna da Laguna dos Patos, na interface entre os ecossistemas terrestres, lagunares e com alguma influência marinha, é responsável por uma ampla gama de funções ecológicas, tais como a proteção contra a erosão da margem das lagunas e habitat para espécies ameaçadas de flora e fauna. Cabe destacar como elemento novo de impacto o incremento da elevação do mar e das lagunas, situação que tende a se agravar até o final deste século, com a elevação provável de pelo menos 50 cm do nível atual, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

 

[1] https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/plano-de-acao-nacional-lista/370-plano-de-acao-nacional-paraconservacao-da-herpetofauna-do-sul-do-brasil

[2] https://www.facebook.com/ingazeiro/?ref=page_internal

 

Texto: Professor e doutor em Botânica pela UFRGS, Dr Paulo Brack

Foto e matéria completa: http://viabiodiversa.blogspot.com/

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