Manifesto de Professores e Cientistas no Dia Internacional de Ação pelos Rios

  • Postado em 14/03/2014   por: Admin   Categoria:

No dia 14 de Março, Dia Internacional de Ação Pelos Rios, um conjunto de 100 pesquisadores brasileiros da área de meio ambiente, de universidades e instituições de vários Estados do Brasil, encaminhou a Presidência da República e aos ministros do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME), por meio de ofício eletrônico, o “Manifesto de Cientistas pela Defesa de Nossos Rios“. Tal manifesto resgata a Moção sobre Barramentos, aprovada no X Congresso de Ecologia do Brasil (http://www.cpap.embrapa.br/pesca/online/PESCA2011_10CEB1.pdf), em setembro de 2011.

O Motivo de tal iniciativa é chamar a atenção para a necessidade de políticas públicas eficientes que garantam a continuidade de manutenção da vida diversa, incluindo aqui as culturas humanas tradicionais dos ribeirinhos, e os remanescentes de ecossistemas fluviais e de sistemas associados, como as matas ciliares, por exemplo, diante do crescimento praticamente indiscriminado de empreendimentos hidrelétricos no Brasil. Informações, ainda não confirmadas, dão conta de que mais de cem mil pessoas podem ser atingidas no País, nos próximos anos, por hidrelétricas, sendo pelo menos 15 % dos atingidos corresponderiam a povos indígenas.

Salto do Yucumã no Parque Estadual do Turvo, ameaçado por hidrelétricas no Rio Uruguai.

Salto do Yucumã, no Parque Estadual do Turvo, ameaçado por hidrelétricas no Rio Uruguai.

A Amazônia é a grande fronteira prevista para esta expansão. Há cerca de dois anos, o governo federal lançou decretos diminuindo em mais de 90 mil hectares algumas grandes Unidades de Conservação da Amazônia, a fim de contemplar estes megaprojetos. Um dos casos mais polêmicos, nos últimos anos, foi o da megahidrelétrica de Belo Monte (PA), em plena região já conflagrada por enclaves de desmatamento e conversão de florestas em pastagens. O Prof. Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (http://philip.inpa.gov.br) vem há anos produzindo trabalhos científicos importantes alertando para o efeito cascata de degradação ambiental, inclusive emanação de gases de efeito estufa nos reservatórios, provocada por empreendimentos em sistemas hídricos altamente complexos, cujos processos ecológicos ainda não são minimamente conhecidos.

Na Amazônia, enormes impactos estão sendo derivados de duas grandes hidrelétricas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) (RO), que poderiam ter relação com as inéditas inundações deste rio, que afeta parte da capital de Rondônia, Porto Velho. Entretanto, o ritmo atual, nem mesmo o Pantanal escaparia de suas mais de 130 pequenas e médias hidrelétricas previstas ou em construção em série nas cabeceiras dos rios dos estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, segundo relatos de pesquisadores da biodiversidade da região.

Fica evidente, entre vários pesquisadores que debatem estes temas em eventos científicos, como os Congressos de Ecologia do Brasil, que praticamente não há estudos de capacidade de suporte para a construção de tantos empreendimentos, em um mesmo rio. Ou seja, o processo de expansão de hidrelétricas está sem controle no Brasil. No caso do rio Uruguai, no sul do Brasil, os projetos de hidrelétricas são da década de 1970. Os planos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME) preveem pelo menos 11 barramentos em série, no mesmo rio, o que inevitavelmente causaria perdas regionais de organismos aquáticos, como o peixe dourado, que vem desaparecendo na região. O tema da extinção de espécies na natureza é mais do que premente, e os estudos que destacam a presença de espécies exclusivas e endêmicas são muito recentes. Uma grande polêmica surgiu com as reófitas (plantas de curso de água corrente), destacando-se a bromélia dos lajeados (Dyckia distachya) que praticamente não é mais encontrada em estado silvestre no rio Pelotas (RS/SC), após a construção da UHE Barra Grande, em 2005.

É um tema até agora não tratado, inclusive do ponto de vista ético, com o agravante da questão ligada ao desconhecimento quanto a centenas ou milhares de espécies ainda não descritas para a Ciência, que podem se afetadas ou até desaparecer nos próximos anos nos sistemas fluviais, principalmente no Norte do Brasil. Este tema ganha destaque entre os taxonomistas e os cientistas da biologia da conservação.

Alguns cientistas apontam a falta de pesquisas prévias, profundas de ecologia e de etnoecologia, a fim de se romper a atual forma imediatista e superficial de geração de estudos pontuais e parciais, por consultorias financiadas pelo setor elétrico, para contemplar o interesse dos mesmos interessados na expansão das hidrelétricas no País. Um dos aspectos que também chama a atenção é a conclusão de que cerca de 2/3 dos projetos de grandes, médias e pequenas hidrelétricas está incidindo justamente no Mapa Oficial das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Port. MMA n. 9, 23/01/2007). Inclusive o mapa das áreas definidas como de “Extrema Importância” possui cerca de ¼ dos projetos de hidrelétricas previstos para os próximos anos. Enquanto isso, os ministérios (MMA e MME) evitam fazer uma discussão transparente sobre esta grande contradição, ainda mais em um momento de crise de energia elétrica, que também é reflexo do débil planejamento em alternativas de menor impacto (energia eólica, biomassa e energia solar).

Para que os planos de construções de hidrelétricas não atropelem as políticas de conservação da biodiversidade o documento destaca a necessidade de compromissos governamentais na realização de estudos mais abrangentes, denominados de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Integrada (AAI). Um exemplo importante, com resultados de diretrizes que se mantêm até hoje, foi o estudo de AAI realizado em 2001, no rio Taquari-Antas (Região Serrana do RS) realizado pela FEPAM/SEMA-RS Estas avaliações mais abrangentes e prévias aos costumeiros estudos de impacto ambiental (EIA-RIMA) têm metodologias próximas de um zoneamento ecológico-econômico e resultados de grande importância para os tomadores de decisão. Este estudo da FEPAM, de 2001, definiu Áreas Livres de Barramento, em pelo menos 1/3 dos trechos previstos (eliminados antecipadamente 17 dos 54 empreendimentos planejados).

Estas metodologias, com base no Princípio da Precaução, que o Brasil assumiu perante acordos internacionais, fortalecem a visão inteligente de se avaliar, previamente, as alternativas locacionais, energéticas e de dimensão de empreendimentos, itens que constam na Resolução do Conama 01 de 1986. E estas alternativas já são cada vez mais viáveis e baratas, com destaque a energia eólica que poderia, sozinha, segundo dados da própria EPE, gerar muito mais do que toda a energia elétrica gasta no Brasil (obviamente sem afetar UCs, APCBio ou rotas migratórias), ou a energia solar que, somente na Alemanha – onde a incidência solar é bem menor do que a do Brasil – é responsável por uma geração de 30 GW, descentralizada, sendo maior do que a geração da usina de Itaipu.

Os temas são vários e estas questões deverão ser tratadas em encontros científicos, em associações, fóruns de políticas públicas nos vários âmbitos. Entre as iniciativas futuras, está a sugestão da criação de uma petição on-line, com apoio da SBPC, ABC e outras associações, agregando mais cientistas, de forma mais articulada, por estes mesmos pleitos, cada vez mais urgentes.

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