Queimadas nos campos de cima da serra: meio de autonomia para pecuaristas?

  • Postado em 07/05/2012   por: Admin   Categoria:

“Entendo a queima como uma condição de resiliência da produção”, para a bióloga Josielma de Macedo, as queimadas nos campos de cima da serra permitem a autonomia dos camponeses ao sistema mercadológico

Fogo nos campos de cima da Serra. Foto: Josielma Macedo

Josielma Hoffman de Macedo, mestre em biologia pela UFRGS, falou sobre sua experiência de pesquisa na região dos campos de cima da serra do RS, no último Biodiversidade em Foco, que aconteceu, no dia  23 de abril, na sede do InGá. A bióloga trouxe a perspectiva da etnobiologia para a polêmica questão das queimadas na região, enfatizando a necessidade de entender os pecuaristas locais para a solução dos conflitos e formulação de estratégias de conservação na região.

Ambientalista há décadas, Josielma percebeu, no início dos anos 90, que a questão das queimadas ia muito além da fauna e da flora. Em 1992, em frente à Assembléia Legislativa do RS, então ferrenhamente contrária ao manejo do fogo, teve contato com os pecuaristas da região, quando no momento se discutia uma proposta de tirar da criminalização os pecuaristas que utilizavam o fogo como manejo. A partir daquele momento, foi tocada e percebeu que o fogo é uma tradição secular, enraizada naquela comunidade.

No ano de 2012, defendeu sua dissertação que, com base em 71 entrevistas com pessoas da região, verificou a profunda relação daquelas comunidades com o fogo.  A questão das queimadas permeia questões densas da identidade dos pecuaristas. Eles foram ensinados por uma tradição secular que as queimadas são saudáveis para o ambiente. Para eles a queimada é um cuidado com o campo, assim como a poda é com as árvores. A bióloga explica que é muito complicado o conflito que existe, por um lado uma concepção positiva do fogo pela comunidade e, por outro, o poder público enxergando os produtores como criminosos.

Uma alternativa ao sistema

Fogo nos campos de cima da Serra. Foto: Josielma Macedo

A prática da pecuária familiar na região é vista por Josielma como uma maneira alternativa de se viver. Os camponeses não possuem uma rotina fixa, a criação do gado se dá de maneira extensiva para que eles possam escolher o momento que pretendem comercializar o animal. As queimadas utilizadas são uma maneira de “não entrar na lógica de mercado”, segundo Josielma.

Para Paulo Brack, professor da UFRGS e membro do InGá, a grande questão do debate é desviar o foco. A discussão não é queimar ou não, ela deve ser embasada numa concepção que veja a necessidade de permanência dos camponeses na região e com independência. O coordenador geral do InGá  também enxerga o fogo como uma forma de autonomia. “É perverso dizer que a alternativa é se encaixar no sistema”, afirma.

Caso os pecuaristas abrissem mão do manejo pelo fogo, teriam que utilizar de técnicas e suplementos que não são acessíveis para quem não está dentro da competitiva lógica de mercado. Muitos dos pecuaristas que deixaram de criar gado venderam suas terras para empresas que plantam pinus.

Fogo como elemento do ecossistema

Fogo nos campos de cima da Serra. Foto: Josielma Macedo

A problemática em volta do fogo vem de uma concepção que o enxerga como um distúrbio no meio ambiente, atrapalhando a reciclagem de nutrientes, emitindo gás carbônico e prejudicando os elementos do solo. Contudo, Josielma explica que o fogo é componente de diversos ecossistemas, como as pradarias e savanas, e que as interpretações sobre o seu papel no meio ambiente vem mudando, na medida em que se percebe que os sistemas ecológicos não são estáticos.

As pesquisas em relação aos impactos e benefícios do fogo para fauna e flora ainda não são tradicionais e abundantes. Existem algumas controvérsias entre os estudos, o que não ajuda a clarificar a questão. Enquanto alguns apontam que espécies dependem do fogo, outros dizem que as matam. E muitas perguntas precisam ser respondidas: a utilização do fogo é ambientalmente desejável? Que efeitos causa na biodiversidade? Quais os efeitos de suprimir o fogo?

Compartilhe:

Contribua com o InGá e o Movimento Ambientalista

Faça uma doação

ENDEREÇO

Rua Cel. Fernando Machado, 464. Centro Histórico - Porto Alegre/RS – Brasil
Caixa Postal 1057, CEP 90.001-970
(51) 3019-8402

inga@inga.org.br