A viabilidade da Agricultura Familiar: Produtividade e Agrotóxicos

  • Postado em 20/04/2012   por: Admin   Categoria:

Paulo Kageyama e João D. Santos

Prof. Titular e Pesquisador Dr. ESALQ. USP

Muitos pesquisadores de regiões tropicais têm apontado que a presença da alta biodiversidade e das condições edáfo-climáticas nesses ecossistemas impõe outra forma de trabalhar a terra, o que pode ser bem exemplificado pela alta ocorrência de pragas e doenças nas culturas. É importante se conhecer a base científica dessa necessidade de outras tecnologias nos trópicos, voltadas para uma convivência com esses insetos e microrganismos, que são traduzidas na agricultura com base na Agroecologia. Os estudos dos ecossistemas de florestas tropicais naturais, com toda a sua biodiversidade e complexidade, apontam os pontos chaves e as direções para a sustentabilidade na agricultura, principalmente familiar.

A biodiversidade das florestas tropicais é a responsável pelo seu equilíbrio ecológico, já que biodiversidade e equilíbrio estão juntos nesses nossos ecossistemas tropicais extremamente ricos em espécies. São cerca de 150 espécies por hectare, só de árvores, nessas matas tropicais. Essas florestas tropicais têm ainda uma proporção muitíssimo maior de espécies de insetos e microrganismos, ou 100 vezes mais desses organismos em comparação a todas as outras espécies de plantas. Nesses ecossistemas, os insetos e microrganismos convivem em equilíbrio com as espécies de plantas, muito embora sejam potencialmente suas pragas e doenças, isso ocorre quando desequilibramos esses ecossistemas naturais, transformando-os em extensos monocultivos, como na agricultura dita moderna, certamente com alto uso de agrotóxicos e insumos industriais.

Um outro modelo para a agricultura familiar vem sendo proposto, denominado de agroecológico. O uso da biodiversidade como ferramenta, para o controle de suas pragas e doenças, imitando os ecossistemas naturais, está dentro dessa categoria, e vem sendo utilizado com sucesso para a qual fazemos essa discussão. Serão apresentados exemplos da biodiversidade na proteção de plantas agrícolas, pastagens e florestais, ou o seu uso como ferramenta de sustentabilidade no meio rural.

Em grande escala, tem sido possível no Brasil o plantio misto de 100 ou mais espécies de árvores nativas diferentes por hectare, nos modelos de recuperação das matas ciliares, com tecnologia desenvolvida por universidades e instituições de pesquisas nessas duas últimas décadas. O mais importante é que nesses novos ecossistemas não se tem constatado ataque de pragas e/ou doenças, em nenhuma dessas 100 espécies, o que parece surpreendente a julgar pelo que se observa em experiências com plantações de outras culturas. Certamente, o não ataque de pragas e doenças, nessas plantações mistas de proteção, se deve à alta diversidade de espécies, semelhante ao que ocorrem nas florestas naturais.

Assim, muitos conceitos e tabús foram e vêm sendo quebrados, nessas últimas décadas, com relação às tecnologias sendo adotadas para o meio rural, baseadas no uso cada vez maior de agrotóxicos e insumos industriais. A utilização dos sistemas agroflorestais com biodiversidade, do mosaico de culturas e de variedades crioulas são técnicas que vêm sendo aplicadas, principalmente pela agricultura familiar, com vantagens para este segmento rural.

Por exemplo, plantações de Banana no Vale do Ribeira – SP foram objetos de estudos científicos na ESALQ, visando comprovar a viabilidade também econômica dessas técnicas para a agricultura familiar. O cultivo de Banana em Sistema Agroflorestal, apesar de ter menor produtividade por hectare (4 vezes menos), teve um retorno econômico (lucro) por hectare maior a este produtor, comparado ao do agricultor convencional utilizado como comparação no experimento (R$ 2.572,10 x R$1.858,60). O agricultor agroecológico teve um custo de produção muito menor comparado ao produtor convencional (R$ 205,00 x 7.812,00), o que fez a diferença.

Essa proposta possibilitou que o produtor agroecológico com poucos recursos não se endividasse, além de produzir alimento saudável e não se envenenar com os agrotóxicos aplicados em grande escala na banana convencional. Deve-se enfatizar que não foi computada a produção das outras 40 espécies usadas no SAF com a banana, a cultura carro chefe. Além disso, a tecnologia sendo usada atualmente não é ainda a mais desenvolvida, devendo ser ainda muito melhorada.

Outro exemplo, em Apiaí no Vale do Ribeira – SP, centro de produção do tomate, esta cultura foi o motivo de outro trabalho científico da ESALQ, com o mesmo objetivo. Os três cultivos de Tomate Orgânico, rodeados de biodiversidade da Mata Atlântica natural, apresentaram menores produtividades por 1000 pés da cultura (4 vezes menor), porém, os retornos econômicos (lucros) aos produtores agroecológicos foram iguais, comparados aos convencionais no experimento (R$ 1.000,00 x 1.000,00). De novo, os agricultores agroecológicos tiveram custos de produção muito menores comparados aos produtores convencionais (R$848,00 x R$ 4.262,00), gastando muito menos, novamente fazendo a diferença. Deve-se destacar que os três produtores convencionais de tomate fizeram, em média, 36 aplicações de agrotóxicos, em 2,5 meses da cultura, o que justifica o alto custo de produção da cultura e o alto nível de contaminação dos agricultores e do ambiente.

Infelizmente, as pesquisas sobre sistemas de produção com agrobiodiversidade, mais apropriados aos agricultores familiares, assim como as políticas públicas em prol dessas comunidades, sempre foram negligenciadas pelas universidades, instituições de pesquisa e governo, colocando este segmento, que é a grande maioria do meio rural, na exclusão social e tecnológica. Coloquemo-na em seu devido lugar!

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